Pular para o conteúdo principal

Filme - A Lenda (1985)


 “Entre luz e trevas, o coração humano decide o destino do mundo.”

No coração de uma floresta antiga, onde o orvalho é mais puro que o tempo e o silêncio é cheio de vozes antigas, habita o espírito de A Lenda. Dirigido por Ridley Scott, o filme é uma fábula sombria e onírica — um daqueles raros portais que se abrem apenas aos que ainda acreditam em fadas, demônios e florestas encantadas.

Jack (Tom Cruise, em um de seus primeiros papéis) é o jovem guardião da inocência, protetor dos últimos unicórnios — criaturas que mantêm a luz viva no mundo. Quando o Senhor das Trevas (Tim Curry, em uma das mais magníficas personificações do mal já vistas no cinema) trama o desaparecimento desses seres, o equilíbrio entre dia e noite se rompe, e o mundo mergulha em um inverno eterno.

Mas A Lenda não é apenas uma história de heróis e monstros. É uma meditação sobre a pureza e a sombra dentro de cada um de nós.

A jornada de Jack é a jornada da alma humana: o confronto inevitável com aquilo que teme, deseja e tenta esconder — o próprio abismo interior. Visualmente, o filme é uma pintura viva. Cada quadro parece pertencer a um grimório esquecido, iluminado por velas e sonhos. As fadas cintilam como fagulhas do inconsciente; os bosques respiram como templos; e a música de Tangerine Dream (na versão americana) conduz o espectador por um transe quase ritualístico.

A Lenda nos lembra que o mal não é uma entidade distante, mas uma semente adormecida dentro da beleza — e que toda luz só brilha porque existe a escuridão a ser vencida. Assim, quando os créditos sobem, fica a sensação de que nada terminou. O inverno ainda sopra nos cantos do coração. E, em algum lugar da floresta, o último unicórnio ainda sonha — esperando que alguém, em silêncio, se lembre dele.

Em essência, A Lenda é um conto alquímico. O mundo externo — repleto de névoas, neve e criaturas — é o reflexo do mundo interior do ser humano. Jack representa o espírito inocente, ainda puro, que precisa atravessar a floresta do inconsciente para encontrar sua verdadeira luz. Os unicórnios são o símbolo da pureza divina, o elo entre o sagrado e o terreno. Quando são caçados e feridos, o mundo perde o equilíbrio — exatamente como o homem moderno, que ao negar sua parte espiritual, mergulha em trevas interiores.

O Senhor das Trevas não é apenas o vilão. Ele é o arquétipo da sombra junguiana — o lado reprimido, o desejo, o medo e a força bruta que habitam em nós. Encará-lo é um ato de autoconhecimento. A vitória sobre ele não se dá com a espada, mas com a aceitação da dualidade. Lili, por sua vez, é o espelho da alma, dividida entre a inocência e a tentação, entre o amor e o poder. É por meio dela que a escuridão toca a luz — e vice-versa.

Ao fim, o renascimento da floresta é o reencontro com o equilíbrio. A natureza volta a florescer quando o herói compreende que não existe dia sem noite, nem pureza sem sombra. Em cada um de nós existe um unicórnio e um demônio, uma lâmina de luz e uma chama de escuridão. A verdadeira magia está em não destruir nenhum deles — mas em fazê-los dançar em harmonia, dentro da mesma alma.


Trailer



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Lenda de Cailleach, a Velha do Inverno

“Escutem, viajantes... quando o vento sopra do norte e a geada se deita sobre os telhados, não é o frio que chega primeiro — é Ela. A Velha do Inverno desperta de seu sono de pedra, e o mundo volta a se curvar diante do tempo.” Entre as montanhas enevoadas da Escócia e as terras antigas da Irlanda, ecoa o nome de uma deusa esquecida pelos homens, mas lembrada pela terra: Cailleach, a Velha do Inverno. Dizem que ela nasceu quando o primeiro trovão ressoou sobre o mundo, moldada do gelo e da rocha. De cabelos brancos como a neve e olhos azuis como o céu de dezembro, Cailleach é a senhora do frio e do tempo, guardiã dos ciclos que fazem a vida florescer e murchar. Com um martelo de pedra em mãos, moldou montanhas, cavou vales e abriu fendas nas rochas. Cada golpe seu fazia o vento soprar e as tempestades nascerem. Mas seu poder não é de destruição — é de renovação. Ela encerra o verão para que o novo possa nascer, apaga o fogo para que outro seja aceso. Há quem diga que Cailleach é o espe...

Leshy - Guardião das Florestas

  “Nas profundezas onde o vento não chega, há um riso que se confunde com o som das folhas.  É o Leshy brincando com os que ousam entrar sem permissão...” Dizem que nas florestas antigas da Rússia e das terras bálticas habita uma entidade tão velha quanto as próprias árvores. Chamam-no Leshy, o Espírito da Floresta. Alto como um carvalho ou pequeno como um esquilo, o Leshy muda de forma conforme o humor ou a intenção. Pode ser um homem de barba verde, coberto de musgo e raízes, com olhos que brilham como se refletissem o próprio coração da mata. Outras vezes, é apenas um sopro, um rastro de riso entre as copas, um vulto que desaparece na névoa antes que alguém possa jurar tê-lo visto. Quem entra na floresta sem pedir licença pode ouvir passos que não são seus, sentir o vento guiar para o caminho errado, e de repente — a trilha se perde. O Leshy é conhecido por enganar os caçadores, confundir os viajantes e proteger as criaturas selvagens. Não o faz por maldade, mas por equilíb...

A Origem de Ymir e os Nove Mundos

  Primeiramente havia o caos, nada mais além disso. Três reinos coexistiam: Ginnungagap (o Vazio), Musspell (o Reino de Fogo) e Niflheim (a Terra da Neblina). Durante muitas eras assim foi, até que as névoas começaram a subir lentamente das profundezas do Niflheim e formaram no medonho abismo de Ginnungagap um gigantesco bloco de gelo. Por milhares de eras o grande bloco de gelo foi sendo derretido pelo calor escaldante que descia das alturas abomináveis do Musspell, revelando a figura de um gigante sob a camada espessa de gelo. Seu nome era Ymir, como o ar quente que descia de Musspell não cessava, ele começou a suar, tanto que o suor que lhe escorria copiosamente, uniu-se à água do gelo que brotava de seus poderosos membros. Dessa união, surgiram os primeiros seres vivos. Debaixo de seu braço surgiu um casal de gigantes, da união de suas pernas veio o terceiro gigante, chamado Thrudgelmir. Estes três foram os primeiros, mais tarde, Thrudgelmir geraria Bergelmir, que daria orige...